Maximiliano e Carlota mantinham diários de viagem, uma fonte documental preciosa que nos permite acompanhar detalhadamente a sua estadia na Madeira.
Maximiliano escreveu Reise-Skizzen: Ueber die Linie 1860 e Carlota Un Hiver à Madère 1859-1860. Os textos foram traduzidos e editados em conjunto, resultando na obra  Memórias da minha vida; Um Inverno na Madeira.
Em seguida apresentaremos excertos dos relatos de ambos sobre a sua estadia na ilha, complementados com documentos do acervo do Arquivo e Biblioteca da Madeira.

Chegada

6 de dezembro

Diário de Maximiliano

«[…] foi com sentimentos de melancolia que contemplei outra vez o vale de Machico e a encantadora Santa Cruz, onde passámos horas tão felizes há sete anos. […] Ancorámos na baía às sete e meia e logo as canoas enxamearam à volta do nosso navio. Num deles estava um mergulhador que trouxe das profundezas do mar as moedas de prata que lhe foram atiradas do navio.» pp. 48-49

Diário de Carlota

«Em breve, entrámos no ancoradouro do Funchal, onde uma abundância de elegantes quintas, escalonadas sobre o declive da montanha, se destaca no meio do verde delicado dos campos de canas-de-açúcar. O Funchal parece sair do meio de um jardim, no qual a branca igreja da Nossa Senhora do Monte assenta como uma especie de coroa.» p. 88

Embarque ou desembarque de passageiros de um navio
BPI-ARM/721.

Mergulhança” na baía da cidade do Funchal, post. 1930, negativo em vidro, MFM-AV, em depósito na DRABM, PHF/2.

Lembrança de Maria Amélia

Maximiliano recorda o amor do passado:
«[…] fomos à cidade a cavalo, passando junto do belo hospital que a imperatriz viúva do Brasil tinha, com nobre magnificência, feito erguer em memória da sua falecida filha e pela capela para a qual eu havia encomendado uma estátua de mármore da Mater Dolorosa, como uma lembrança de luto.» p. 51

Almoço no Hotel Miles

Diário de Maximiliano

«No limpo Hotel Miles compartilhámos  um almoço reanimador, com bananas e goiabas, que provei pela primeira vez. O exterior deste fruto é algo entre o de uma maçã e o de uma laranja. A polpa é de uma tonalidade rosa, e no interior, ond, tal como na romã, as sementes se encontram, torna-se suave, sumarento e delicioso. É agridoce, como todos os frutos dos trópicos.» p. 52

Diário de Carlota

«Dali fomos a um hotel inglês, onde nos fizeram provar todas as espécies de compotas da região e frutos que me agradaram ainda menos. Não existe nada, segundo a minha opinião, de tão desagradável ao palato e ao olfacto do que todos esses produtos tropicais, com excepção dos ananases. Ou são detestáveis como as bananas, ou então exalam, como as goiabas, um odor infecto, e possuem um gosto tão horrível que tive de engolir muitas tangerinas antes de me livrar dele.» p 92

Informação complementar

O Miles English Family Hotel, segundo Rui Campos Matos, localizar-se-ia na Rua da Carreira por detrás do edifício que ostenta o n.º 200. Posteriormente o proprietário mudou para a Rua do Carmo, alterando a designação para Miles Carmo Hotel.

MATOS, Rui Campos, 2013, As Origens do Turismo na Madeira: Quintas e Hotéis do Acervo da Photographia Museu – «Vicentes», Funchal, Delegação Regional da Madeira da Ordem dos Economistas, Direção Regional dos Assuntos da Madeira, p. 130.

Impressões sobre os produtos locais

Diário de Maximiliano

«[…] ofereceram-nos um excelente malvasia da Madeira, aqui chamado vinho das senhoras, um autêntico néctar preparado a partir das uvas mais deliciosas da ilha, uma bebida que nunca tinha provado em tal estado de perfeição. […] Além disso, […] ofereceram-nos algumas canas-de-açúcar verdes, cujo sumo é muito agradável de chupar. Ao mesmo tempo, foram trazidos, numa salva de prata, lava-mãos cheios de água fresca na qual flutuavam pétalas de rosa, para que lavássemos as nossas mãos – um hábito refinado, em sintonia com a exuberância da Natureza nesta ilha e que me agradou extremamente.» p. 53

Diário de Carlota

«Como tinha desejado muito provar a cana-de-açúcar, trouxeram-me vários pedaços. A polpa é dura, mas o seu sumo é muito açucarado e espalha-se pela boca. […]  O que me pareceu excelente foi o vinho, do qual nos ofereceram diferentes qualidades, o madeira seco e o malvasia, apelidado de vinho das senhoras. O primeiro é muito forte, o segundo mais doce e de um perfume delicioso. Um encantador costume da ilha consiste em lavar as mãos após o jantar em taças de rosas vermelhas desfolhadas.» p. 95

Passeio no Caminho Novo (Estrada Monumental)

Diário de Maximiliano

«Antes de chegarmos à nossa quinta, o cônsul conduziu-nos ao longo de uma larga e relativamente nova estrada que havia sido feita, paralela à costa, em direção a oeste […]. Também aqui, como no seu nativo Hyde Park, vemos as mais fascinantes filhas de Inglaterra andando a cavalo para cima e para baixo nos seus pitorescos trajes […].» p. 56

Diário de Carlota

«Chegados à cidade fizemos com que as nossas montadas andassem numa última corrida acelerada pelo passeio público, dito caminho novo, bela alameda que acaba de ser traçada ao longo do mar e onde, contrariamente aos outros caminhos da ilha, felizmente não está empedrada. É o ponto de encontro geral de todos os ingleses e inglesas, que fazem dele, entre as três e as quatro horas, o rotten row do Funchal.» p. 99

A Ordem, 7 de janeiro de 1860.

Estrada Monumental e vista parcial da cidade, Freguesia de São Martinho, Concelho do Funchal, entre 1887 e 1905, negativo em vidro, MFM-AV, em depósito na DRABM, JAS/610.

Vista parcial da Freguesia de São Martinho, Concelho do Funchal, Ant. 1905, negativo em vidro, MFM-AV, em depósito na DRABM, JAS/1698.

Informação complementar

Rotten row refere-se a uma avenida situada em Hyde Park, Londres, onde circulava a aristocracia a cavalo ou em carruagem. Era um local de encontro para ver e ser visto.
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Uma comédia de enganos

Tanto Maximiliano como Carlota narram, em diferentes momentos dos seus relatos diarísticos, um episódio caricato.
Um cavalheiro com problemas de saúde viajou com a comitiva até à Madeira, por mera cortesia da família real. Hospedou-se depois num dos melhores hotéis para passar o inverno. No entanto, como se tratava de uma figura envolta em mistério, correu o boato de que se tratava de D. Miguel de Bragança, antigo rei de Portugal, condenado ao exílio em 1834.

Entre 15 e 17 de dezembro

A comitiva partiu em direção a Cabo Verde e teria como destino final o Brasil. No entanto, uma tempestade impediu-os de chegar à primeira paragem e foram forçados a ancorar em Tenerife.

Carlota escreve no seu diário
«Chegámos a 17 de dezembro a Puerto de Orotava, na costa de Tenerife. […] Desesperando por não conseguirmos chegar à capital da ilha, SantaCruz [Tenerife], dirigimo-nos para o Funchal, acossados pelo violento balançar do navio».

O arquiduque ficou em Orotova (Tenerife) e o Elisabeth regressou à Madeira para deixar Carlota que decidira passar o inverno na ilha.

19 de dezembro

Avistaram a Madeira, mas apenas conseguiram ancorar no dia 20 de dezembro, tal era a tempestade.

20 de dezembro

Carlota relata
«Pisámos terra firme com uma felicidade indizível.» p. 107

22 de dezembro

O Elizabeth partiu para Santa Cruz de Tenerife e transportaria Maximiliano até ao Brasil.

A Ordem, 24 de dezembro de 1859.

A Ordem, 31 de dezembro.

Carlota passa o inverno na Madeira e instala-se na Quinta Bianchi.

Natal

24 dezembro

«À noite tivemos direito à árvore de Natal. Eu quis manter-me fiel a este alegre costume, que transforma numa única família todos os que habitam a mesma casa. Mal terminou o jantar, a árvore de Natal, que estivera cuidadosamente oculta aos olhares durante o dia, apareceu-nos, toda coberta de velas, carregada de laranjas e bananas. A rica vegetação da ilha constituía ao seu único adorno e dava-lhe um caráter tropical, muito apropriado à circunstância. Foi talvez a primeira árvore de Natal que foi erguida na Madeira.» p. 109

25 dezembro

«Na cidade,  o dia passa-se a fazer boa comida e a disparar, em sinal de alegria, tiros de pistola através das janelas, literalmente no nariz dos transeuntes, e é preciso saltar bruscamente para trás para não receber a explosão na cara.» p. 110

Baile de Fim de Ano
31 de dezembro

«O consul deu um baile para o qual há já muito tempo se distribuíam convites.[…]
Chegado à residência do Bianchi [Rua das Pretas] por uma escada decorada com verdura, fomos introduzidos num pequeno salão igualmente ornado com flores de toda  espécie e de bigónias que trepavam graciosamente ao longo das paredes. […]
A sala de baile estava cheia, com um grande número de senhoras que o cônsul me trazia entre as danças, uma em cada braço, para mas apresentar. […]
Quando nos aproximámos da meia-noite, o cônsul ofereceu-nos vinho da Madeira envelhecido para brindarmos ao ano novo e aos ausentes. Foi a meio de uma quadrilha com o comandante militar que se abriu, para mim, o dia 1 de Janeiro de 1860.» p. 118

1860

Quinta Deão

Janeiro

«Uma das mais belas [quintas] é, sem dúvida, a do sogro do cônsul inglês Mr. Stoddart, situada junto de um dos caminhos que conduzem ao Monte. [Quinta Deão]. A vista que a partir daí se tem sobre o Funchal é uma das mais felizes que conheço. Descobrimos a cidade inteira com as suas casas pintalgadas de diversas cores e a torre branca da Sé (a catedral) erguendo-se no meio do labirinto dos jardins e das quintas. […]
A casa é igualmente encantadora. […] O que nos fascinou mais ainda foi uma tangerineira coberta de grandes tangerinas açucaradas e suculentas, as melhores da ilha. […] Encorajados pelo jardineiro, investimos contra o arbusto e pouco tempo depois cada um tinha as mãos e as algibeiras  cheias de tangerinas. Não pude deixar de achar os portugueses muito complacentes, comparativamente aos orgulhosos espanhóis, que, certamente, jamais teriam permitido uma semelhante colheita num dos seus jardins. É, com efeito, um lado bom dos portugueses serem agradáveis e afáveis para com os estrangeiros.»

Carlota, durante a sua estadia na Madeira, terá visitado todas as quintas dos arredores do Funchal.

Planta da Quinta Deão, Freguesia de Santa Luzia (atual Freguesia do Imaculado Coração de Maria), Concelho do Funchal, 1935-02-14, negativo simples, MFM-AV, em depósito na DRABM, VIC/13834.

Edifício e jardim da Quinta Deão, Freguesia de Santa Luzia (atual Freguesia do Imaculado Coração de Maria), Concelho do Funchal, 1951, negativo simples, MFM-AV em depósito na DRABM, PER/3397.

Um baile de classe mundial

1 de fevereiro

«Houve, em casa do conde de Carvalhal [julgamos tratar-se do Palácio de São Pedro], um belíssimo baile, que teria feito as honras a um salão de Londres ou de Paris. Nunca se suspeitaria de que, no meio de uma pequena ilha do oceano privada de comunicação com o mundo civilizado se pudesse ostentar tanta elegância e tão bom gosto. […] A festa foi muito animada. Não faltaram os lindos trajes de gala, que faziam lembrar os de Milão.» p. 128

Récita no Teatro Esperança

11 de fevereiro

Récita no Teatro Esperança organizada pelo Conde de Carvalhal.

«As representações são feitas por amadores. A de hoje começou por um drama muito trágico, Nobreza d’Alma, ao qual se seguiu uma farsa muito comum: A Vizinha Margarida, que divertiu extremamente  o público, o qual ria às gargalhadas a cada gracejo vulgar, como se tratasse de alguma coisa espiritual.» p.129

A Ordem, 18 de fevereiro de 1860.

Chegada de Maximiliano

5 de março

«À noite, chegou o Elisabeth. Foi depois da meia-noite que tive notícias da viagem.Tinha sido das mais felizes e a estadia no Brasil fascinante, mas o reverso da medalha era que o Elisabeth, não tendo recebido o manifesto limpo, porque vinha da Baía, onde reinava a febre amarela, devia ficar cnco dias de quarentena, o que não permitia aos viajantes vir a terra antes de terminar este prazo.» pp. 133-134

A quarentena terminou no dia 10 março e os tripulantes puderam sair do navio.

O Batismo

11 de março

Maximiliano e Carlota foram os padrinhos de batismo de Ferdinando Maximiliano, filho de Carlos Bianchi, cônsul da Áustria na Madeira.

Registos Paroquiais, Baptismos, Paróquia da Sé, 1860. DRABM, Liv. 1262, f. 8 v.º-9 v.º.

Despedida

12 de março

«Último dia que passámos na Madeira, fizemos de manhã  a aquisição de uma enorme tartaruga. […] Às oito horas da noite deixámos a quinta Bianchi para não mais regressar, devendo embarcar dentro de algumas horas, mas antes de partir assistimos a um grande concerto de caridade na casa de Farrobo.» p. 137