Maria Teresa Horta (1937 – )
Maria Isabel Barreno (1939 – 2016)
Maria Velho da Costa (1938 – 2020)
Escritoras conhecidas como as “Três Marias”, após o processo judicial de que foram alvo pela publicação conjunta de Novas Cartas Portuguesas. Pertenceram ao Movimento de Libertação das Mulheres (MLM) e defenderam as causas feministas. Receberam inúmeros prémios e distinções pelo seu trabalho enquanto escritoras e personalidades de referência na cultura portuguesa do século XX.
«Acaso será a mulher obrigada a suportar a um homem todas as humilhações só porque ele é marido: dono, senhor?»
in «A Filha» (BARRENO, HORTA, COSTA, 2010, p. 213)
«Antes aprouvera a meus pais me darem hábito tal como a ti, Mariana; monja me agradaria mais ser que mulher odiando seu marido e tão vulnerável, tão ansiosa, tão sequiosa de amor.»
in «Carta de D. Joana de Vasconcelos para Mariana Alcoforado freira no Convento de Nossa Senhora da Conceição em Beja» (BARRENO, HORTA, COSTA, 2010, p. 135)
O processo criativo da obra
Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa decidiram, em maio de 1971, iniciar um projeto literário que resultou na publicação de Novas Cartas Portuguesas (1972). Tomaram como ponto de partida Lettres Portugaises (1669), um romance epistolar que tem como base narrativa cinco cartas de amor da freira portuguesa Mariana Alcoforado, a um oficial francês. Inicialmente, foram estabelecidas três regras: cada uma escreveria cinco cartas, haveria liberdade criativa absoluta e todos os textos seriam assinados pelas três. Esta última condição teve particular relevância, por ser inovadora internacionalmente. Mesmo em obras conjuntas os autores assinavam sempre os seus próprios textos.
A censura da obra
Esta primeira edição de Novas Cartas Portuguesas, da Estúdios Cor, contou com a direção literária de Natália Correia, que, apesar de coagida a cortar partes, publicou a obra integralmente. Esta versão sem cortes viria, assim, a público e seria recolhida e destruída pela censura, três dias após a sua publicação. Segundo o parecer da Direcção-Geral da Informação, homologado a 25 de maio de 1972, a obra foi considerada pornográfica e atentatória da moral pública e recomendava-se a instrução de um processo-crime.
O processo judicial que se seguiu a esta publicação levou as autoras a serem interrogadas, separadamente, pela PIDE/DGS. A obra, escrita a seis mãos, desafiava as noções de autoria, uma vez que não se sabia quem tinha escrito cada fragmento textual. Assim, nos interrogatórios, tentou saber-se quem tinha escrito cada texto, embora as autoras nunca o tenham revelado. O julgamento começou a 25 de outubro de 1973 e, após adiamentos, foi interrompido pelo 25 de Abril de 1974, que constituiu o término do regime ditatorial.
«mas como é que eu podia saber que o meu António havia de vir assim das Áfricas, ele que era uma pessoa, não desfazendo, de tão bom coração e desde que veio das guerras anda transtornado da cabeça e me mete medo grita noite e dia, bate-me até se fartar e eu ficar estendida.»
in «Monólogo de uma mulher chamada Maria, com a sua patroa» (BARRENO, HORTA, COSTA, 2010, p. 163)
Receção da obra
O livro denunciava as opressões de classe, a guerra colonial e a situação das mulheres. A receção internacional foi sem precedentes, passou por traduções em vários países ocidentais e teve uma enorme repercussão junto de figuras ligadas ao movimento feminista, como Doris Lessing, Jean-Paul Sartre, Marguerite Duras, Simone de Beauvoir e Christiane Rochefort.
Em Portugal, a obra teve a sua segunda edição no ano em que a ditadura caiu (Futura, 1974), vindo a ter outras edições nas décadas seguintes. Em 2022 foram celebrados os 50 anos da obra.
Referências
BARRENO, Maria Isabel, HORTA, Maria Teresa, COSTA, Maria Velho da, 2010, Novas Cartas Portuguesas, 9.ª ed., Lisboa, Dom Quixote.
PEDROSA, Ana Bárbara Martins, 2017, Escritoras portuguesas e Estado Novo: as obras que a ditadura tentou apagar da vida pública, Tese de Doutoramento em Ciências Humanas, Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.
PEDROSA, Ana Bárbara, 2019, «Do zeitgeist às prateleiras – as obras das autoras portuguesas censuradas», in Anuário de Literatura, n.º 2, vol. 24, Florianópolis, pp. 116-134.
SANT’ANNA, Mônica, 2009, «A censura à escrita feminina, à maneira de ilustração: Judith Teixeira, Natália Correia e Maria Teresa Horta», in Agália, n.º 99-100, Santiago de Compostela, Associaçom Galega da Língua (AGAL), pp. 115-140, disponível em https://agalia.net/Agalia/099-100.pdf, consultado em 2023-01.