1905
Peste Bubónica
Entre os dois surtos de cólera (1856 e 1910) houve, em 1905-1906, um contágio de “febres infecciosas”, designação oficial atribuída pelas autoridades civis à epidemia que se alastrava pelo Funchal.
O combate à “peste bubónica” foi envolvido por contornos políticos. O Governador Civil (substituto), Dr. Pedro José Lomelino, tomou decisões imediatas com o objetivo de minimizar a difusão da epidemia na Madeira. Priorizou o isolamento dos contagiados no Lazareto[1] e manteve prudência na divulgação das circunstâncias sanitárias. Desta forma, continha um alvoroço geral e a Região precavia-se de consequências iminentes, advindas do encerramento do porto do Funchal, caso se confirmasse e oficializasse a existência, não de doenças” infecciosas”, mas de “Peste”. Curiosamente, anos antes, a cidade do Porto tinha agido com a mesma cautela.
A oposição política parecia ter encontrado uma oportunidade de iniciar uma controvérsia à volta dos internamentos e da escassez de informações gerais.[2] As medidas sanitárias implementadas no hospital geraram muito medo e muita revolta na população, que se deixava persuadir por todo o tipo de rumores. Não demorou muito para que o povo começasse a ver o Hospital como um necrotério e decidisse assaltá-lo para libertar os “presos”. O Dr. Balbino Rego, responsável pelos doentes do Lazareto, e o Governador Civil foram incriminados por pretenderem angariar, indevidamente, fundos monetários do governo central, ao tratarem uma doença que não existia.
[1] Hospital de isolamento.
[2] O Direito era o jornal da política regeneradora, escolhido para afrontar o partido que estava no poder.
Personalidades em Destaque
Dr. Pedro José Lomelino
Governador Civil Substituto do Distrito (1904)
Natural da Ilha Porto Santo (1864-1930)
Médico, formado pela Escola Médico-Cirúrgica do Funchal
Exerceu vários cargos públicos
Octaviano Soares
Natural da Madeira (1848-1921)
Administrador do Concelho do Funchal
Oficial da Secretaria do Governo Civil do Funchal
Militante do Partido Progressista
Colaborou em diversos Jornais do Partido
Redator do Diário do Comércio
Dr. Balbino Rego (1874-?)
Diretor do Laboratório de Bacteriologia e Higiene do Funchal (1904)
Diretor Clínico do Lazareto
Natural de Bragança
Formou-se pela Escola Médico Cirúrgica do Porto
Diretor do Posto Antropométrico da Polícia Cívica de Lisboa e do Registo Policial do Continente e Ilhas.
Conselheiro José Leite Monteiro
Natural do Porto (1841 – 1930)
Advogado, professor, escritor e político.
Desempenhou vários cargos públicos no Funchal (comissões de serviço): Governador Civil Substituto, membro do Conselho do Distrito Presidente da Junta Geral, Presidente da Câmara Municipal
Membro do Partido Fusionista
Prestou serviços ao Partido Regenerador
Redator do jornal Direito (órgão da política regeneradora)
Imprensa Regional
Inevitavelmente, os jornais desta época acabaram por revelar tendências político- partidárias e a polémica à volta do Lazareto e dos governantes do partido vigente, ocuparam muitas páginas, durante alguns meses.
O Diário do Comércio
N.º 2717 – 09 janeiro 1906, p.2 – Refere o assalto ao Hospital de Isolamento (Lazareto) pelo povo.
N.º 2721 – 13 janeiro 1906, p.1 – Na sequência do “resgate” involuntário dos doentes do Lazareto, salienta a atitude benevolente do Dr. Balbino Rego ao aceitar uma doente na sua casa.
N.º 2721, 13 de janeiro de 1906, p. 1 v.º – Transcrição do Ofício emanado pelo Governador Civil ao Presidente da Associação Comercial do Funchal, no qual refere o bom estado sanitário do Funchal, segundo registo do boletim do Delegado de Saúde.
O Direito
N.º 3617 – 30 janeiro 1906, p.1 – Publica um requerimento dirigido diretamente ao Governador Civil seguinte, no qual os cidadãos solicitam que fosse decretado o bom estado sanitário da ilha e que demitisse, dos respetivos cargos, o Administrador do Concelho do Funchal e o Dr. Balbino Rego.
N.º 3622 – 06 de fevereiro, 1906, p.1 – Destaca que lhe foram endereçadas, anonimamente, cópias das cartas enviadas pelo Dr. Balbino às autoridades sanitárias. Informam que, a partir do dia seguinte, aquelas seriam publicadas por ordem de datação.
Correio da Tarde
N.º 644 – 11 janeiro 1906, p. 1 – O Conselheiro José Leite, opositor político, é apontado como principal responsável pela disseminação de mentiras e calúnias pelos habitantes: a inexistência da doença contagiosa, a finalidade velada do isolamento dos doentes no Lazareto, local onde ocorrem também “crimes e mistérios” da responsabilidade do Governador Civil (Dr. Pedro Lomelino). Desmentem-se as notícias publicadas.
Anúncios
Alguns anúncios de desinfetantes e produtos de higiene da época
Literatura de Cordel
O ambiente político favorável da altura, aliado às crendices e especulações do povo, fez reaparecer, na categoria da literatura de cordel, folhetos com versos satíricos, acompanhados por algumas caricaturas. Neles se narrava a perspetiva popular sobre a peste bubónica na Madeira, e se ridicularizam as autoridades administrativas e sanitárias.
Alguns folhetos de poesia popular:
A peste Balbínica – pseudónimo “Engeitado do Povo”
A Panelinha da peste e de um Mederoso (história em verso) de Luciano das Ratas
Os primos do Dr. Rego – 4000 contos de reis para o saneamento da Madeira
A Peste No Funchal – versos do feiticeiro
A tragédia do Lazareto por D. Maria Amanda Cabral
Auto da Peste
O sonho de um machiqueiro história da peste gananciosa da Ilha de Madeira
A peste bubónica (?) e suas consequências Apontamentos de António Pedro Gomes
Apontamentos
Outros médicos já tinham sido perseguidos, vítima da maledicência popular e de manobras políticas.
1838 – O escocês Robert Reid Kalley, cirurgião, farmacêutico (formado pela Faculdade de Medicina e Cirurgia da Universidade de Glasgow ) e Pastor foi perseguido por pregar o calvinismo. Kalley teve de se disfarçar de mulher para poder fugir da Madeira.
Informações complementares
Relatório
REGO, António Balbino, 1900, Pneumonia pestosa (A Peste Bubónica no Porto-1899-1900) dissertação Inaugural apresentada à Escola Médico Cirúrgica do Porto, por António Balbino Rego, interno do Hospital Geral de Santo António e Alumno Assistente do Laboratório Municipal de Saúde e Higiene.
Relato Pessoal
REGO, António Balbino, 1907, Na ilha da Madeira – Hospital Improvisado, Porto, Typographia A Vapor.