«Em geral, até à segunda metade do século XVIII, os médicos, […] demonstraram pouca apetência para se deterem nos aspectos que se relacionavam com a gestação ou com os primeiros anos de vida.»[1] No entanto, é a partir desse período que ocorrem grandes transformações ao nível da assistência médica, refletindo-se no aumento da esperança de vida das crianças.

Século XVIII

No século XVIII havia vários riscos associados à gravidez e ao parto. Curvo Semedo compilou em Polyanthea medicinal os principais problemas associados ao parto, entre outros, dando também indicações acerca dos métodos mais eficazes para os solucionar. Por exemplo, se no momento do parto a criança parecia de pouca resistência ou a mãe estava fraca, sugere-se dar-lhe “gemas de ovos batidas com vinho, e marmelada, e chocolate, feito em caldo de perdiz, com gemas de ovos, cidrão assado molhado com vinho, pão de ló molhado em caldo de galinha avinhado».[2]

Saiba mais sobre esta obra da ciência médica portuguesa em
Tesouros do ABM: livro antigo impresso

Relativamente às maleitas, «num tempo em que as condições sanitárias e os hábitos higiénicos eram deploráveis, era fácil as crianças contraírem as mais variadas doenças. Eram em especial, as lombrigas, que matavam por asfixia, as bexigas e o sarampo, os bubões e as disenterias, que afligiam os mais pequenos e a que os médicos tinham de dar resposta. Assim, contra estas e muitas outras se apresentavam múltiplas recomendações e se compunham inumeráveis mistelas.»[3]Apesar de serem práticas questionáveis, fazia-se o melhor de acordo com os conhecimentos existentes.

Século XIX

No século XIX, pela conjugação de diversos progressos científicos, avanços na área da obstetrícia e a criação da vacina da varíola, a população cresceu pela primeira vez em muitos séculos. Lentamente a mortalidade infantil começou a descer, apesar de continuar ainda muito elevada. No final deste século, ocorreram diversas mudanças nos cuidados de saúde infantil em Portugal, de que é exemplo a implementação de dispensários, descritos adiante.

Seculo XX

Com a reforma sanitária de 1899-1901, protagonizada por Ricardo Jorge «chegam a Portugal os conceitos do moderno sanitarismo, em franco desenvolvimento em países como a Inglaterra e a Alemanha […].»[4] No âmbito desta reforma destaca-se a criação, em 1899, do Instituto Central de Higiene (ICH), o atual Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge.

 

Dispensários e lactários na assistência à primeira infância

Os dispensários «eram organismos que prestavam assistência médica e medicamentosa às mães e crianças carenciadas, fornecendo consultas externas, visando o combate à mortalidade infantil».[5] O primeiro em Portugal foi fundado ainda no século XIX, em 1893, mas efetivamente foi no século XX que se sentiram as repercussões desta medida.

Os lactários eram «instituições direccionadas para a primeira infância onde era fornecido o leite aos bebés, cujas mães o não tivessem e dele o necessitassem, devido à sua condição de pobreza.  Era um dos meios para combater a mortalidade infantil nos primeiros meses de vida». [6] Em Portugal, o primeiro lactário foi criado em 1901. Na Madeira, foi fundado em 1908 com a designação de “Assistência a crianças fracas”, funcionando até 1930 na rua das Mercês, passando posteriormente para a rua da Mouraria.

No período final do Estado Novo foi reconhecido de forma mais clara o direito à saúde e deram-se passos decisivos para a sua universalização. O nosso país apresentava um atraso de décadas comparado com outros países ocidentais. Uma das medidas mais significativas foi a criação de centros de saúde públicos, em 1971, e já após o 25 de Abril de 1979, o surgimento do Serviço Nacional de Saúde.

Programa de Vigilância de Saúde Infantil e Juvenil

Em Portugal, criou-se o Programa de Vigilância de Saúde Infantil e Juvenil, cujo início data de 1981, mas que foi desenvolvido a partir de 1989 e sujeito a pequenas alterações desde então. Este programa «comporta um certo número de rastreios e medidas de deteção precoce de doenças»[7] e integra o Boletim de Saúde Infantil e Juvenil. «Conhecido como o boletim azul “dos meninos” e o cor-de-rosa “das meninas”, constitui um instrumento privilegiado de comunicação e partilha da informação. Portugal foi um dos primeiros países da Europa a ter este Boletim e o exemplo foi tão bom que os seus princípios básicos foram adotados no Reino Unido e noutros estados europeus.»[8]

Boletim de saúde infantil e juvenil, 1993, Lisboa, Ministério da Saúde.

No final do século XX, Portugal atingiu uma taxa de mortalidade perinatal e infantil tão reduzida que nos coloca entre os melhores do mundo. Possui também uma das melhores taxas de vacinação a nível mundial.

1 AAVV, 2005, Infantia et pueritia[…], p. 45.
2 SEMEDO, 1716, Polyanthea medicinal, p. 503.
3 AAVV, 2005, Infantia et pueritia[…], pp. 52-53.
4 BAPTISTA, 2012, «A Assistência Materno-Infantil em Portugal […], p. 6.
5 BAPTISTA, 2012, «A Assistência Materno-Infantil em Portugal […], p. 14.
6 CORDEIRO, 2015, Crianças e famílias […], p. 71.

AAVV, 2005, Infantia et pueritia: introdução à história da infância em Portugal, Santarém, Escola Superior de Educação.
BAPTISTA, Virgínia, 2012, «A Assistência Materno-Infantil em Portugal e os Direitos das Mães Trabalhadoras (1880- 1943)», XXXII Encontro da Associação Portuguesa de História Económica e Social, A Construção da Fortuna e do Malogro: perspetivas históricas, ISCTE- Instituto Universitário de Lisboa.
CORDEIRO, Mário, 2015, Crianças e famílias num Portugal em mudança, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos.
SEMEDO, João Curvo, 1716, Polyanthea medicinal noticias galenicas, e chimicas repartidas em tres tratados…, Lisboa, na officina de Antonio Pedrozo Galram.