A escola, como a conhecemos, é um produto da Idade Média. «No período medieval, a educação era desenvolvida em estreita simbiose com a Igreja [e dela] partiram os modelos educativos e as práticas de formação.»[1] Apesar dos pontos de contacto com o modelo medieval, muitas transformações ocorreram desde então na escola, como o demonstram as fontes documentais que apresentamos.

Século XVIII

Luís António Verney com a publicação da obra O verdadeiro método de estudar, em 1746, aponta o atraso do sistema educacional português e critica os valores e costumes enraizados na cultura portuguesa desde o século XVI, com a entrada dos Jesuítas em Portugal. Propõe uma mudança radical dos métodos e princípios do sistema educacional.

As reformas pombalinas da instrução pública (1772) vieram retirar o controlo do ensino aos Jesuítas, que passou ao domínio do Estado. Inicia-se uma reestruturação do sistema da educação pública, tal como defendido por Verney.

Na Madeira

«A reforma pombalina de 1772 previra para o arquipélago um total de 6 escolas de “ler, escrever e contar”, duas das quais localizadas no Funchal e as restantes em Machico, Santa Cruz, Ponta do Sol e Calheta.»[2]

Século XIX

João de Deus e a Cartilha

Em Portugal, no século XIX surge a figura de João de Deus, «provavelmente o primeiro autor português a preocupar-se especificamente com a criança, o seu mundo particular e respetivo desenvolvimento. […] Em 1876 envolveu-se em campanhas de alfabetização escrevendo a Cartilha Maternal, um novo método de ensino da leitura, que o haveria de distinguir como pedagogo.»[3]

Guerra Junqueiro e a escola do século XIX

Em «A Escola Portuguesa», Junqueiro apresenta-nos o cenário existente no Portugal do século XIX, criticando de forma demolidora os métodos e conteúdos da escola em vigor.

A Escola Portuguesa

Eis as crianças vermelhas
Na sua hedionda prisão:
Doirado enxame de abelhas!
O mestre-escola é o zangão.

Em duros bancos de pinho
Senta-se a turba sonora
Dos corpos feitos de arminho,
Das almas feitas d’aurora.

Soletram versos e prosas
Horríveis; contudo, ao lê-las
Daquelas bocas de rosas
Saem murmúrios de estrela.

Contemplam de quando em quando,
E com inveja, Senhor!
As andorinhas passando
Do azul no livre esplendor.

Oh, que existência doirada
Lá cima, no azul, na glória,
Sem cartilhas, sem tabuada,
Sem mestre e sem palmatória!

E como os dias são longos
Nestas prisões sepulcrais!
Abrem a boca os ditongos,
E as cifras tristes dão ais!

Desgraçadas toutinegras,
Que insuportáveis martírios!
João Félix co’as unhas negras,
Mostrando as vogais aos lírios!

Como querem que despontem
Os frutos na escola aldeã,
Se o nome do mestre é — Ontem
E o do discíp’lo — Amanhã!

Como é que há-de na campina
Surgir o trigal maduro,
Se é o Passado quem ensina
b a ba ao Futuro!

Entregar a um tarimbeiro
Um coração infantil!
Fazer o calvo Janeiro
Preceptor do loiro Abril!

Barbaridade irrisória,
Estúpido despotismo!
Meter uma palmatória
Nas mãos dum anacronismo!

A palmatória, o açoite,
A estupidez decretada!
A lei incumbindo a Noite
Da educação da Alvorada.

Gravai na vossa lembrança
E meditai com horror,
Que o homem sai da criança
Como o fruto sai da flor.

Da pequenina semente,
Que a escola régia destrói,
Pode fazer-se igualmente
Ou o assassino ou o herói.

Desta escola a uma prisão
Vai um caminho agoireiro:
A escola produz o grão
De que a enxovia é o celeiro.

Deixai ver o Sol doirado
À infância, eis o que eu vos peço.
Esta escola é um atentado,
Um roubo feito ao progresso.

Vamos, arrancai a infância
Da lama deste paul;
Rasgai no muro Ignorância
Trezentas portas de azul!

O professor asinino,
Segundo entre nós ele é,
Dum anjo extrai um cretino,
Dum cretino um chimpanzé.

Empunhando as rijas férulas
Vós esmagais e partis
As crianças — essas pérolas
Na escola — esse almofariz.

Isto escolas!… que índecência
Escolas, esta farsada!
São açougues de inocência,
São talhos d’anjos, mais nada.

Guerra Junqueiro In A Musa em Férias

Século XX

À data da implantação da República (1910), «cerca de 76 por cento da população portuguesa não sabia ler nem escrever. Ante a crueza destes números, foi, pela primeira vez, assumido claramente o objetivo de combater de forma drástica esta situação, fazendo da educação dos portugueses uma etapa e um meio determinantes para o desenvolvimento do país.»[4]

É neste contexto que surgiu a reforma educativa de 1911, introduzindo importantes inovações. Pôs-se em prática a implantação do ensino pré-escolar, que em 1910 contava apenas com duas instituições (uma em Lisboa e outra no Porto), mas em 1926 reunia cinquenta e cinco escolas infantis. No ensino primário cria-se o princípio da escolaridade obrigatória «dos 7 aos 14 anos para alunos de ambos os sexos que residissem num raio de dois quilómetros à volta de uma escola pública ou particular gratuita.»[5]

O Estado Novo

«Considero […] mais urgente a constituição de vastas elites do que ensinar o povo a ler.»[6]

Esta declaração proferida por Salazar, em 1933, é reveladora do rumo que a educação tomaria durante o Estado Novo.
Na década de 50 do século XX, Portugal estava entre os menos alfabetizados e escolarizados do mundo ocidental e havia pressão internacional para um aumento da percentagem de população capaz de ler e escrever. Nesse sentido, foram tomadas várias medidas, sendo a mais popular a criação da telescola, que teve início no ano letivo de 1965-1966, com uma adesão sem precedentes da sociedade civil.

Na Madeira

A Escolinha Alemã

O Colégio Alemão foi fundado, na ilha da Madeira, no ano de 1928. Providenciava um ensino diferenciado com uma pedagogia inovadora e diversificada. Para as crianças alemãs o programa era o mesmo que se usava na Alemanha. Para as crianças portuguesas, o programa era o adotado nas escolas primárias do país, sendo ensinadas por uma professora portuguesa diplomada. Em conjunto, todas as crianças frequentavam aulas de: alemão, inglês, francês, trabalhos manuais e ginástica. Posteriormente, este estabelecimento de ensino passou a designar-se Escolinha Alemã e funcionou até ao final do ano letivo de 1976/1977.

Trabalhos realizados por alunos, s.d. DRABM, Escolinha Alemã, cx. 5 e 6.

Provas de passagem de classe, 1956/1957. DRABM. Escolinha Alemã do Funchal, cx. 4, n.º 6.

Como resolver na Madeira o problema do ensino primário?
Perante uma grande percentagem de iletrados, Ângelo Augusto da Silva apresentou à Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, em 1942, um relatório resultante de um estudo sobre o ensino primário na Madeira. Tinha o propósito de fazer o balanço dos progressos alcançados nos anos anteriores e planear medidas para o futuro.

Tabela que estabelece comparação entre o número de alunos matriculados no ensino primário e o número de crianças em idade escolar, na Madeira, em 1942.
SILVA, Ângelo Augusto da, 1947, Como resolver na Madeira o problema do ensino primário?, Funchal, Junta Geral do Distrito Autónomo, p. 11.

A escola em liberdade

Após o 25 de Abril de 1974,

«O analfabetismo caiu, em Portugal, de uma forma vertiginosa dada a ampliação da escolaridade que a democracia permitiu – em 1970 era de 31% (com valores superiores a 60% na população mais idosa) e, por exemplo nesse ano a percentagem de portugueses com mais de 20 anos e um curso superior completo era de 30%, sendo hoje [2015] o dobro (60%). O alargamento atual da escolaridade obrigatória até ao 12.º ano, mesmo que possa ser objeto de debate, é mais uma garantia de que as atuais crianças e adolescentes, futuros progenitores, terão as bases para poderem construir um futuro mais organizado, assertivo e fazer escolhas corretas e adequadas […].»6

1 FERNANDES, 1992, «Educação e ensino popular na Madeira […]», p. 1.
2 MARTINS, 2014, História da criança em Portugal, pp. 112-113.
3
MARTINS, 2014, História da criança em Portugal, p. 128.
4 MARTINS, 2014, História da criança em Portugal, p. 132.
5 S. A., 1948, Anais da Revolução Nacional, p. 259.
6 CORDEIRO, 2015, Crianças e famílias […], p. 34.


FERNANDES, Rogério, 1992, «Educação e ensino popular na Madeira (século XVIII-1840)», In Separata da Revista da Universidade de Coimbra, Vol. XXXVII.
MARTINS, Maria João, 2014, História da criança em Portugal, Lisboa, Parsifal.
S. A., 1948, Anais da Revolução Nacional, Barcelos, Oficinas Artistas Reunidos, A. R. N., vol. iv, p. 259.
CORDEIRO, Mário, 2015, Crianças e famílias num Portugal em mudança, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos.