A existência do brinquedo remonta à Antiguidade Clássica e o ato de brincar é tão antigo como a própria Humanidade. Focamos a nossa atenção em alguns dos brinquedos e formas de brincar mais representados nas nossas coleções, entre os séculos XVIII e XX.

«Embora o jogo e o brinquedo se complementem, muitas vezes eles são de natureza diferente. Segundo Brougère (1995)[1] o brinquedo, não parece definido por uma função precisa:  trata-se antes de tudo de um objecto que a criança manipula livremente, sem estar condicionado a regras ou a princípios de utilização de outra natureza. […] O jogo pode ser destinado tanto à criança quanto ao adulto e, em geral há regras de utilização mais determinadas.»[2]

Os Jogos

No século XVIII «quem ditava o calendário e o teor das brincadeiras [no campo] era a liturgia, com os seus mistérios, procissões, feiras e romarias locais onde se dançavam rodas e toda uma variedade de jogos com paus e bolas, além do pião».[3] Neste período, a vida em comunidade prevalecia sobre a intimidade e a partir desta altura os jogos passam a assumir uma importância fundamental nas atividades lúdicas. Segundo Ariès[4], eram um dos principais meios que a sociedade dispunha para fortalecer os seus laços coletivos. No entanto, no século seguinte, o recurso ao jogo entrou em declínio.

O Papagaio de Papel ou a Joeira

O papagaio, de origem chinesa, foi introduzido em Portugal por ocasião das viagens dos Descobrimentos, quando «pela primeira vez no céu da Europa esvoaçavam papagaios de papel, copiados dos modelos vistos no Extremo Oriente, e assumindo formas tão diversas como um cometa, um bacalhau ou uma estrela.» [7]

Na Madeira, o papagaio de papel é designado por joeira, por causa do movimento que faz no ar, semelhante a uma peneira.

«A construção de joeiras é das tradições mais antigas deste Arquipélago. […] Curiosidade: antigamente os miúdos que acompanhavam as visitas do Espírito Santo pelas casas, e nas festas, nas quais se lançavam muitos foguetes, corriam para o lugar onde caía os restos do foguete incendiado para lhes retirar os barbantes, que atavam uns nos outros para fazer o fio de segurar a joeira.»[8]

O Pião e a Piorra

O pião é o brinquedo mais representado na iconografia no final da Idade Média, logo seguido do cavalo-de-pau e da bola. Pode ser definido como um «pedaço de pau, quase redondo, armado de um ferrão, com que jogam os rapazes»[5], são quase sempre acionados por um cordel ou barbante. Com algumas variantes, a piorra distingue-se do pião por ser em geral mais pequena e utilizar-se a pressão do próprio dedo.

O pião e a fieira

Para andar lhe puz a capa

E tirei-lh’a para andar,

Que elle sem capa não anda,

Nem com ella pode andar.[6]

Adivinha compilada por Teófilo Braga que evoca o pião e a sua capa (o barbante).

As Bonecas

No Antigo Regime (séculos XVI a XVIII) são já apresentadas na iconografia as meninas e as suas bonecas. Mas é no século XIX que as novas bonecas se tornam o brinquedo mais simbólico, nascidas das então mais recentes tecnologias, nomeadamente em França, Alemanha e Inglaterra.

 

«A Inglaterra foi a grande precursora neste ramo de atividade. As primeiras bonecas de cera com a face e os lábios pintados e olhos móveis apareceram nesse país em 1825. Os olhos abriam e fechavam não por magia, como imaginariam tantas meninas fascinadas, mas graças a um fio que acompanhava todo o corpo e que era cuidadosamente dissimulado sob a roupa, também ela cada vez mais sofisticada, destas beldades de cera. […] Mas se as bonecas de cera são inglesas, as suas “irmãs” com cabeça de porcelana ou em biscuit fazem o sucesso das fábricas alemãs e francesas.»[9]

Outra inovação é o facto de surgirem bonecas que não representam adultos, mas bebés. Este fenómeno deve-se a que, no século XIX, se tenha criado a consciência de que a infância distingue-se claramente dos restantes períodos da vida.
«Em Portugal, a industrialização do sector lúdico foi, como tudo o mais, lenta. As bonecas mais antigas que conhecemos são fabricadas em barro e pano; mais tarde, em papier mâché e cartão gessado.»[10]

A indústria do brinquedo

Os brinquedos artesanais foram gradualmente convertidos através do fabrico mecanizado e do capitalismo. Na mesma altura surgem já os comboios e uma vasta panóplia de automóveis, barcos, aviões, animais e naves espaciais, um género que frutificará no século XX.

Século XX

«A indústria dos brinquedos adquire um protagonismo sem precedentes no contexto da economia. Em materiais baratos – como o plástico – mas com design atraente, enchem montras com cores e formas exuberantes. De Espanha chegam as bonecas da Famosa […], como a Nancy, […] (a Barbie, produzida pela norte-americana Mattel, só chegará ao nosso país na década de 80); da Dinamarca vêm, para ambos os sexos, os jogos de construção da Lego.»[11]

«No século XX nota-se uma maior afluência aos brinquedos passando estes a fazer parte dos bens de consumo corrente de inúmeras famílias. A história do brinquedo está ligada ao modo como a sociedade percepciona a infância, mas também é inseparável da história do comércio e das técnicas.»[12]

1 BROUGÈRE, 1995, Brinquedo e cultura, p. 13.
2 REIS, 2006, Brinquedo, Jogo e Educação em Portugal […], p. 76.
3 MARTINS, 2014, História da criança em Portugal, p. 67.
4 ARIÈS, 1988, A Criança e a vida familiar no antigo regime, p. 109.
5 S.A., 2012, Breve glossário de termos do património lúdico esquecido, p. 21.
6 BRAGA, 1880, «As adivinhas populares», p. 254.
7 MARTINS, 2014, História da criança em Portugal, p. 66.
8 BARCELOS, 2016, «Joeira», p. 264.
9 MARTINS, 2014, História da criança em Portugal, pp. 103-105.
10 MARTINS, 2014, História da criança em Portugal, p. 105.
11 MARTINS, 2014, História da criança em Portugal, p. 166.
12 REIS, 2006, Brinquedo, Jogo e Educação em Portugal […], p. 168

ARIÈS, Philippe, 1988, A Criança e a vida familiar no antigo regime, Lisboa, Relógio d’Agua.
BARCELOS, J. M. Soares de, 2016, Dicionário de falares do Arquipélago da Madeira, Funchal, Direção Regional da Cultura.
BRAGA, Teófilo (dir.), 1880, «As adivinhas populares», in Era nova: revista do Movimento Contemporâneo. p. 254, disponível em
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/EraNova/N06/N06_master/EraNova_N06.pdf, consultado em 21-09-2021.
BROUGÈRE, Gilles, 1995, Brinquedo e cultura, São Paulo, Cortez Ed., p. 13.
MARTINS, Maria João, 2014, História da criança em Portugal, Lisboa, Parsifal.
REIS, Maria Teresa, 2006, Brinquedo, Jogo e Educação em Portugal: um direito da infância (séculos XIX e XX), Dissertação de Mestrado
em Ciências da Educação, Universidade de Lisboa.
S.A., 2012, Breve glossário de termos do património lúdico esquecido, Lisboa, Apenas Livros.